Almeida Henriques

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Olhar a China, quatro anos depois

O sábio teme o céu sereno.


Em compensação, quando vem a tempestade,


Caminha sobre as ondas e desafia o vento.


Não te suponhas tão grande que os outros te pareçam pequenos.


Confúcio



Há quatro anos e meio visitei a China e recordo-me de escrever sobre o espírito deste povo, a pujança da economia e a capacidade criadora que permitiu ver, em cerca de 10 dias de visita quatro territórios pujantes , Pequim, Xi-An, Cantão e Hong Kong, aterrar em quatro aeroportos com menos de cinco anos e uma rede de auto estradas capaz de fazer inveja aos europeus.

Nesta altura, ano de 2004, a economia crescia ao ritmo de 12% ao ano, situação que se manteve entre 2000 e 2008, a China apostava no mercado interno, nas exportações, na captação de investimento, tirava partido do crescimento do mundo e preparava a organização dos Jogos Olímpicos 2008.

Questionava-me sobre as diferenças que iria encontrar e sobre os reflexos da crise internacional.

Logo na viagem, nada de novo, as 12 horas de viagem, com escala em Frankfurt e o voo até Pequim num avião cheio de homens de negócios, tudo normal!

Aterrei no aeroporto de Pequim, de proporções gigantescas, boa arquitectura, funcional e preparado para os Jogos Olímpicos, primeira surpresa, muito menos aviões, diria mesmo, alguns terminais “às moscas”, onde estavam as multidões e o bulício de há quatro anos?

No percurso para o hotel, a cidade estaleiro tinha dado lugar a uma nova urbe com 16 milhões de pessoas, mais harmoniosa, um tráfego mais fluido, muitas zonas verdes e árvores e jardins, dando um aspecto mais cosmopolita e saudável, um ar menos carregado do que tinha sentido.

As obras emblemáticas lá estavam, a cidade olímpica com o célebre “ninho”, o estádio que serviu de palco às magnificas abertura e encerramento, o espaço onde Phelps cilindrou vários recordes olímpicos e mundiais, toda a capacidade de concretização deste povo com mais de 4.000 anos de história, que foi capaz de construir a muralha da China, o único monumento visível do espaço.

Este Povo que tem como referência e filosofia de vida um personagem que viveu há mais de 2.500 anos, Confúcio, e que parece querer ressuscitá-lo e “vendê-lo” ao mundo.

De facto, através da Professora Yu Dan, Confúcio é hoje cada vez mais popular na China e no mundo, esta estudiosa e excelente comunicadora alimenta um programa semanal de grande audiência na televisão sobre este pensador e já vendeu mais de 20 milhões de exemplares do seus livros sobre o confucionismo.

Sustenta que Confúcio, que colocava a mãe no centro da família, está mais actual do que nunca, defende que as qualidades para uma pessoa ser bem sucedida neste mundo de hoje, são as que Confúcio defendeu, a simpatia (ajudar as pessoas para estabelecerem uma cadeia, as redes da actualidade), a sabedoria (ajuda as pessoas a desenvolverem-se) e a bravura (arrojo para fazer, a coragem para se abalançarem).

Valoriza, como Confúcio, os valores da Modéstia e da Tolerância.

De facto, dito assim, e se extrapolarmos para a economia, descortinamos a capacidade comercial na simpatia, a aposta na inovação na sabedoria e a capacidade empreendedora na bravura, condições fundamentais para o sucesso da economia chinesa.

Será que estamos perante uma China desenvolvida que se vira cada vez mais para o Confucionismo? Afinal de contas o pensamento mais longínquo do budismo que só aparece nos anos 200 aC.

A China pragmática que convive muito bem com um pensamento milenar.

Poderemos entender melhor este pensamento dentro de poucos meses, quando estes livros forem traduzidos e lançados em português e tivermos a visita desta professora universitária cujo nome devemos fixar, Yu Dan.

Como curiosidade da importância que o Português ganha para o mundo, a CCTV, a televisão estatal da China, programa avançar com um canal com emissão na nossa língua no ano 2010, depois de ter efectuado a abertura em espanhol e inglês.

Conto estes pormenores pela curiosidade que comportam, desviando-me do tema da minha reflexão, a reacção da China à crise internacional.

Recorde-se que com a assumpção do poder por parte de Hu Jintao (a partir de 2000), que sucede a Jiang Zemin, os pilares da estratégia económica assentavam no investimento em infra estruturas, o aumento exponencial das exportações, a criação de empresas com identidade global por aquisição de empresas internacionais (exemplo da IBM), aumento do consumo interno e redução da dependência das exportações e investimento.

Todo este desenvolvimento conduziu a China ao patamar que ocupa hoje:

O País mais populoso do mundo, 1.300 milhões de pessoas, 20% da população mundial; 1 em cada 5 habitantes do mundo serão chineses no ano de 2040, com todo o potencial de crescimento do mercado interno que isto comporta.

Tem 48 cidades com mais de um milhão de habitantes.

A China é já a segunda economia do mundo em ppp ( 84ª no produto per capita ) e o segundo maior investidor em inovação, cerca de 140 biliões de dólares anuais.

Com a crise internacional, são sobretudo as províncias mais industrializadas e dependentes das exportações que sofrem, calcula-se que se perderam mais de 20 milhões de postos de trabalho, sobretudo de migrantes rurais, os tais que abandonaram a terra e foram à procura de melhores condições, saindo do limiar da pobreza, um grave problema novo que a crise trouxe ao País.

Só no quarto trimestre de 2008 o decréscimo das exportações foi da ordem dos 30% e o primeiro de 2009 manteve a mesma tendência.

Para termos um padrão de comparação, estima-se que cada 1% de crescimento do PIB cria 1 milhão de postos de trabalho.

Como se explica que com este crescimento do desemprego e das exportações a China perspective crescer 8% em 2009.

Como resposta a estes problemas, a Assembleia Nacional Popular aprovou um pacote de medidas anti crise, só que todos os apoios se dirigiram para a economia real, pois o sistema financeiro estava forte e não houve necessidade de lhe injectar dinheiro.

Este plano direccionou 4.000 milhões de dólares para investimento de proximidade, redução de impostos em produtos de consumo como imobiliário e sector automóvel (no 1º. trimestre venderam-se dois milhões e setecentos mil veículos novos), criação de um conjunto de medidas de estimulo à criação de emprego e algumas medidas para as populações de mais baixo rendimento e incremento do turismo interno.

Os resultados estão à vista, a China sente muito menos a crise que o resto do mundo, reage à diminuição da procura externa estimulando a procura interna.

Obviamente que estamos para ver como reage à pressão do regresso dos desempregados ao mundo rural, como se comportará a sociedade que se habituou a viver de acordo com certos padrões e a tirar 40 milhões de pessoas por ano do estado de pobreza, o grande desafio para a China é como irá conciliar o desenvolvimento económico e estabilidade social e o crescimento das assimetrias regionais.

Obviamente que tem que conviver com problemas como a sustentabilidade social do seu modelo desenvolvimento, a estrutura etária e o envelhecimento da sua população, os problemas ambientais, a modernização das suas instituições e a própria pressão da sociedade mas, para já, aparentemente, está a ganhar mais esta batalha, em desfavor do ocidente.

Portugal tem que aproveitar este potencial e a proximidade histórica que temos, no ano em que se comemoram os 30 anos do restabelecimento das relações diplomáticas e 10 anos da transferência da soberania de Macau, deveríamos fazer um esforço de estreitar os laços económicos.

São cerca de trinta as principais empresas portuguesas estabelecidas na China, é preciso duplicar este número, bem como incrementar os fluxos comerciais entre os dois países, promovendo investimento chinês (só 10 empresas chinesas investiram no nosso País nos últimos cinco anos) em Portugal e potenciando exportações portuguesas.

Os chineses viajam cada vez mais, o turismo deveria ser mais estimulado, é um dos sectores que poderá crescer duma forma mais rápida, uma ligação aérea Lisboa Pequim poderia ajudar muito.

O nosso desenvolvimento no domínio das energias renováveis é também um campo a explorar.

A política pode e deve ajudar a economia, estas datas que referi poderiam ser melhor aproveitadas, esta missão parlamentar chefiada pelo Dr. Jaime Gama provou-o.

Não poderemos no futuro desperdiçar um mercado que representa 20% da humanidade e aquela que se poderá tornar na maior economia do mundo, com toda a capacidade de investimento que comporta.

Simplesmente a China dos grandes crescimentos que concilia pragmatismo com o pensamento de Confúcio.
In Revista Invest, 7 de Maio de 2009

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