Almeida Henriques

sexta-feira, 6 de março de 2009

Reforço do apoio às PME, um caminho que se impõe

O momento que vivemos é de grande angústia e incerteza, os problemas que o País tinha agravam-se agora com uma crise de contornos muito difíceis e de imprevisível resolução.
A situação das nossa micro, pequenas e médias empresas já não era famosa, devido a múltiplos factores.

Há muito que se reconhecia a necessidade de o País mudar o seu modelo de desenvolvimento económico, invertendo a lógica de captação de investimento estrangeiro adoptada nos anos oitenta, alicerçada no baixo custo da mão-de-obra, que teve grande eco, sobretudo no investimento alemão, necessidade que se aprofundou nos finais dos anos noventa, com a abertura dos países de leste e posterior integração na União Europeia.

Se isto é verdade no capítulo do investimento estrangeiro, não o é menos com o caminho adoptado pelas empresas de capital nacional.

Ao longo destes vinte e cinco anos, não obstante o excelente percurso do país, no contexto da União Europeia, os mais atentos percebiam que o caminho da convergência sustentada implicaria mudar de modelo, adoptar outra forma de abordagem à organização das empresas e à relação com os mercados, incrementando as exportações, para já não falar da aposta no conhecimento aliado à tecnologia, acrescentando valor.

Só uma minoria dos empresários e dos responsáveis públicos parecem ter tomado consciência destes desafios, pelo que o fosso entre as empresas portuguesas se agravou, obviamente entre as que se prepararam e as que não o conseguiram.

Mas, se existem factores que são internos às empresas, outros derivam das condições que o próprio Estado tem obrigação de criar.

Problemas como a exiguidade dos capitais próprios e o excessivo endividamento são agravados pela dificuldade em cobrar, do Estado e dos fornecedores privados, a par de uma administração fiscal que para cumprir os seus objectivos, cada vez mais ambiciosos, torna a vida dos empresários num sufoco, sobretudo fruto de um modelo em que as empresas se substituem aos poderes públicos na cobrança do IVA, na retenção na fonte, nos pagamentos à segurança social, entre outros aspectos.

Estas múltiplas solicitações deixam pouco tempo útil para que os empresários se concentrem na gestão efectiva das empresas, sobretudo nas de menor dimensão, que constituem a esmagadora maioria, com um número reduzido de trabalhadores.

Até ao despoletar da crise do sub prime, a implementação das regras Basileia II e a sensibilização das empresas para a necessidade de introduzirem transparência e rigor nas suas contas, para que o rating melhorasse e permitisse o acesso ao crédito em condições mais vantajosas, era a palavra de ordem.

O despoletar desta grave crise, de desfecho imprevisível, evidenciou um sistema financeiro com problemas de liquidez, apertando o “garrote” às empresas, sendo cada vez mais inúmeros os casos, mesmo das que melhoraram os seus indicadores, a serem autenticamente “apertadas” pela Banca, para já não falar do escandaloso aumento dos spreads.

Se já era difícil cobrar, dentro e fora do País, hoje é quase um milagre.

Começa logo pelo próprio Estado que não dá o exemplo, pagando tarde e más horas.

Do ponto de vista fiscal assiste-se a uma verdadeira voracidade que não olha a meios, com constantes inspecções às empresas, com o cutelo permanente da execução fiscal, da penhora dos bens pessoais dos gerentes e administradores e da coima aplicada logo que há um atraso, ainda que de um dia, na entrega da declaração.

O Governo tardou em perceber que o desenvolvimento do País tem que se fazer com um largo suporte das PME, grandes responsáveis por uma enorme fatia do emprego e pela criação da “malha” por todo o nosso Portugal, esbatendo as assimetrias.

Estes três anos de deslumbramento com as grandes obras e com os grandes investimentos, desfocalizaram o Governo e o País, não contribuindo nada para o reforço e renovação da nossa estrutura produtiva.

Impunha-se a a criação de competências ao nível da Gestão e Organização das empresas, um dos graves constrangimentos que temos. Impunha-se que o próprio QREN (2007- 2013) tivesse avançado há dois anos atrás, quando a situação era mais propícia ao investimento e as empresas e a banca tinham algum fôlego; esta atitude teria permitido que mais empresas estivessem preparadas para esta grave situação. O moroso encerramento do anterior QCA e o atraso no arranque do actual, ainda não estabilizado e com níveis de fundo estrutural transferidos efectivamente para as empresas bastante aquém do desejável, constituíram dois factores retardadores da iniciativa empresarial.

O apoio à estratégia que permitisse a muitas empresas ganharem novos horizontes, olhando para além do seu mercado de proximidade, alargando a sua acção ao País, à Península Ibérica, a outros mercados, deveria ter sido uma prioridade.

A política fiscal face a Espanha não deveria ter conduzido o País para uma desertificação cada vez maior das regiões transfronteiriças.

A dinamização dos Centros Urbanos deveria ter sido uma prioridade, para reforço das “Baixas” das Cidades e Vilas, com a reconversão urbanística e o repovoamento, não esquecendo o elemento central que é a dinamização do comércio.

Agora é preciso combinar medidas para dar resposta a estes problemas estruturais e, ao mesmo tempo, responder com medidas concretas que minorem os efeitos da crise, o que torna a tarefa ainda mais difícil.

Era fundamental termos um Ministro da Economia que assumisse os comandos, que colocasse no centro da política económica do Governo a questão da Competitividade e da Inovação, numa postura de proximidade e de apelo à responsabilidade social dos empresários.

Se uma postura mais low profile, realista e de proximidade já se impunha, agora será mesmo uma exigência.

Obviamente que existem medidas que poderão ir no bom sentido, como a criação de linhas de crédito assentes na garantia mútua, desde que se assegure que esse dinheiro não está a ser aplicado no reforço de garantias da Banca em detrimento da sua aplicação nas empresas, como se tem verificado.

Anúncios como o reforço das linhas de crédito, criação de um fundo de reestruturação industrial, reforço de seguros de crédito à exportação vão no bom caminho, mas são insuficientes.

Aliás, no domínio dos seguros de caução, apesar de o Governo ter anunciado novas linhas, toda a informação que disponho é a de que, em termos efectivos, o que as empresas estão a sentir no dia a dia é o cancelamento de seguros e a não aprovação de novos, dificultando muito o acesso aos mercados e aumentando o risco dos exportadores.

Existem medidas de carácter universal, com aplicação a todo o tecido empresarial, que teriam impacto imediato na economia e na liquidez das empresas.

A política de lançamento de pacotes de apoios a sectores é muito perigosa, pode distorcer a concorrência e privilegiar uns sectores em detrimento de outros.

Não compete ao Governo decidir quais os sectores ou empresas viáveis; a vontade tem que vir de dentro e as politicas públicas devem promover medidas que permitam ultrapassar este momento difícil.

Como exemplo, criar um agravamento de 3% para os contratos a termo num período em que todo o emprego é precário é um mau serviço, dar instruções às finanças para que “apertem” a cobrança fixando objectivos é também um mau caminho.

Algumas das medidas adoptadas pelo Governo têm ido em sentido correcto mas incompleto.

Ao invés da autoliquidação do IVA na prestação de bens e serviços às Administrações Públicas de montante superior a 5000€, teria sido preferível fixar o princípio de que nos fornecimentos ao Estado o IVA será liquidado pela entidade que paga.

A aceleração do reembolso do IVA, baixando o seu limiar de 7500€ para 3000€, deveria ser acompanhada, ainda que como medida transitória, da possibilidade desse imposto só ser liquidado com o recibo.

Em vez da redução do valor mínimo do Pagamento Especial por Conta para 1000€, devia-se extinguir, pura e simplesmente este instrumento, sobretudo num ano em que se estará a cobrar às empresas, por antecipação, os lucros que não vão ter.

O princípio da compensação de créditos quando o contribuinte tem créditos vencidos sobre o Estado viria em boa altura, permitiria alguma flexibilidade na relação entre empresas e fisco.

Os pagamentos do Estado às empresas não deveria ser um programa propagandístico, mas um “limpar” a sério das contas correntes, com a adopção de procedimentos que não permitissem futuramente acumular dívidas.

O Estado devia dar o exemplo aplicando a directiva comunitária sobre pagamentos; da mesma maneira que cobra juros quando o contribuinte se atrasa deveria passar a liquidar automaticamente os juros quando não liquida as facturas na data acordada.

Porque não estimular um sistema de compras públicas amiga das micro e pequenas empresas, que privilegie a proximidade geográfica, em vez de as concentrar em grandes concursos que destroem as empresas mais pequenas, não criando dinâmicas regionais.

Em vez de mega projectos, com impacto só no futuro longínquo e de duvidosa importância para o desenvolvimento económico, o importante era o lançamento de obras de menor dimensão que possam alimentar empresas também de menor dimensão, disseminadas pelo País, para estimular as economias regionais.

Com o mesmo objectivo, o lançamento de um programa de modernização das empresas e de suporte à gestão, do tipo RIME (Regime de Incentivos às Micro Empresas), com apoios mais reduzidos, mas adaptados à realidade das empresas, permitiria também alimentar a economia de proximidade, promover o investimento, a criação do próprio emprego e de postos de trabalho.

Sejamos práticos, a vida das PME, a sua sobrevivência, já não vai lá com anúncios elaborados e com uma ou outra medida positiva; impõe-se um tratamento de choque.

Muitas das ideias que sintetizo neste artigo teriam efeito imediato, com rápida disseminação e impacto efectivo na economia real.

Não há tempo a perder.

In Jornal de Negócios, 06 de Março de 2009

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